Subprojeto 13 – Utilização da Biofotônica para o Estudo da Promoção de Ligações Covalentes em Colágeno

Participantes: Wallace Chamon Alves de Siqueira (Departmento de Oftalmologia, UNIFESP)

A promoção de ligações covalentes em córneas com doenças ectásicas (como o Ceratocone ou a Ectasia pós-cirúrgica) tem como objetivo o enrijecimento do colágeno corneano, que é patologicamente muito elástico. Atualmente o tratamento dos pacientes com essas doenças e intolerantes ao uso de óculos e lentes de contato, é o transplante de córnea. Este é o único tratamento proposto para tratar a causa da doença, ou seja a diminuição da rigidez corneana, em uma doença sabidamente evolutiva. Quando o diagnóstico de qualquer doença ectásica é feito, atualmente a única coisa que podemos fazer é aguardar e evolução da deformação corneana sem que possamos influir terapeuticamente nesta evolução. A conseqüência final do sucesso do tratamento pelo enrijecimento corneano será a diminuição da necessidade da realização do transplantes de córnea em pacientes com doenças ectásicas corneanas ou mesmo com ceratopatia bolhosa (edema de córnea).
Alguns estudos, realizados nos últimos 12 anos, colocam o ceratocone como a indicação mais comum dos transplantes . BROOKS publicou uma incidência de 37,2%; KERVICK , 28,6%; LEGEAIS , 27,6%; LINDQUIST , 23,8% e CURSIEFEN , 20,9%. De acordo com LEGEAIS , a alta incidência de transplantes de córnea por ceratocone devia-se a uma tendência de os cirurgiões indicarem mais precocemente a cirurgia devido aos excelentes resultados obtidos. De acordo com MAMALIS , a porcentagem elevada da indicação de transplantes penetrantes de córnea por ceratocone, nas regiões do norte da Europa e Escandinávia, seria explicada pela imigração e talvez pelo clima seco, que dificultaria a adaptação de lentes de contato. Em contrapartida, ROBIN acredita que a redução da indicação dos transplantes corneanos por ceratocone deva-se ao constante desenvolvimento de lentes de contato apropriadas, que permitem prorrogar o tratamento cirúrgico. Segundo WILLIAMS e colaboradores, a sobrevida de um transplante após 7 anos é de 69%, do total de pacientes, 43% atingiam, na visita mais recente, acuidade visual com correção de pelo menos 20/40 .
O retransplante de córnea continua uma das grandes indicações de ceratoplastia penetrante . Apesar do avanço na farmacologia e na instrumentação técnica cirúrgica, a incidência de retransplante pode chegar até a 25% dos casos quando o seguimento passa dos 5 anos após a primeira cirurgia . As principais causas da falência do botão doador são a rejeição , a perda endotelial progressiva e infecções . Os fatores que contribuem para falência endotelial incluem vascularização corneana , má técnica cirúrgica , inflamação do olho receptor , toque vítreo-endotelial , falência do botão prévio , glaucoma e o tamanho do botão corneano. RAPUANO e colaboradores , numa análise de 150 casos de retransplante, observaram que 38% dos casos que necessitaram de um segundo transplante tinham como doença prévia a ceratopatia bolhosa após cirurgia de catarata; 14%, distrofia de Fuchs; 11% haviam sido submetidos a múltiplos transplantes; 9%, ceratocone e 5% ceratite por herpes simples. Em estudo realizado em 1988, por MacEWEN e colaboradores, 22% dos retransplantes tinham a ceratite por herpes simples como o diagnóstico inicial. Entre as causas que levaram ao retransplante, RAPUANO encontrou 36% devida à rejeição; 38%, à falência endotelial; 9%, leucoma; 7%, astigmatismo severo; 4%, recorrência do herpes simples; 3%, recorrência da distrofia; 3%, ulceração; 1%, crescimento epitelial e 1%, deiscência.
Em estudo de 1725 cirurgias realizadas na Índia, observou-se que a possibilidade de um paciente, submetido a um retransplante de córnea, ter a sua córnea clara após 5 anos da segunda cirurgia é de apenas 21,1% . Já foi demonstrado que a sobrevida de um transplante está diretamente relacionada ao nível sócio-econômico da população. Segundo um estudo realizado por AASURI e colaboradores, os resultados visuais do transplante penetrante de córnea em crianças ficam aquém do ideal. Das 154 cirurgias avaliadas, com um seguimento médio de 1,3 anos (que variou de uma semana a cinco anos), apenas 66,2% mantiveram os transplantes claros. A acuidade visual igual a ou melhor que 20/50 foi atingida em 24% (29/121) de todos os olhos transplantados onde foi possível a avaliação visual . Resultados similares foram encontrados por DANA e colaboradores .
A deiscência após transplante penetrante de córnea com extrusão do conteúdo intra-ocular é uma complicação presente em muitos trabalhos publicados. REHANY E RUMELT, em 1988, acompanharam 525 pacientes submetidos a transplante penetrante de córnea por 78 meses e observaram a incidência de 2,5% de deiscência da incisão após trauma contuso ocular. A deiscência ocorreu de 2 meses a 2 anos após a cirurgia . Resultados muito semelhantes, com a incidência de 2,53% de deiscências em 9 anos de seguimento foram relatados por TSENG e colaboradores em 1999, e os autores ainda ressaltam que a recuperação ocular após o trauma é pobre .
Reação Fotoquímica na Promoção de Ligações Covalentes Corneanas
A riboflavina, também conhecida como vitamina B2, quando estimulada pela irradiação ultravioleta A na dose de 0,65 J/cm2 (0,36 mW/cm2) promove o enrijecimento das fibras colágenas presentes no estroma corneano. Vale ressaltar que esta dose de ultravioleta-A utilizada (0,65 J/cm2) está muito abaixo do nível de irradiação que leva à formação de catarata, que é de 70 J/cm2). Além disso, a lesão no cristalino ocorre em geral pela irradiação ultravioleta B, no comprimento de onda de 290 a 320 nm, e não pela radiação ultravioleta A, a qual tem uma energia mais baixa por apresentar um comprimento de onda mais longo.
O crosslinking de colágeno pode ser muito útil no tratamento das ectasias. Vários estudos realizados em pacientes com ectasia corneana mostraram o sucesso desta técnica em para a progressão da ectasia e, em alguns casos, até regredi-la. Os estudos iniciais para a promoção de ligações covalentes no colágeno corneano foram baseados na observação do aumento destas ligações em pacientes diabéticos e idosos na década de 90 . Os primeiros estudos experimentais com essa finalidade foram publicados há mais de 10 anos por SPOERL e colaboradores. O tratamento de animais com esta tecnologia foi descrito no início deste século. Em 1999 os primeiros pacientes foram operados e os resultados com seguimento de até 4 anos foram relatados em 2003 pelo grupo de Dresden. Desde então muitos estudos em humanos já foram reportados na literatura. Portanto, a promoção de ligações covalentes de colágeno pode se tornas uma nova maneira de parar a progressão da ectasia em ceratocone, reduzindo a necessidade do transplante de córnea . Além disso este novo tratamento traz esperanças para o campo da cirurgia refrativa, úlceras da córnea, fusão e afinamento do estroma (efeito anticolagenase) e, também na redução de hidratação de córneas com função endotelial beirando o limite estabelecido.
Estudos Realizados
Nosso grupo já demonstrou mudanças estruturais induzidas pela promoção de ligações covalentes de colágeno por meio da Microscopia de Imunofluorescência Confocal [BOTTÓS KM, DREYFUSS JL, REGATIERI CVS, LIMA-FILHO AAS, SCHOR P; NADER HB, CHAMON W. Immunofluorescence Confocal Microscopy of Porcine Corneas Following Collagen Cross-linking Treatment With Riboflavin and Ultraviolet A. J Refract Surg, 2008. No Prelo]. Este estudo demonstrou, pela primeira vez na literatura, os efeitos do tratamento com a riboflavina/UVA sobre a organização das fibrilas de colágeno. Novos estudos utilizando microscopia Confocal “single”e “multi-photon” e SHG “in vivo” e “in vitro” objetivarão a quantificação dessa organização e, pela primeira vez, definir a relação entre a espessura da córnea e a energia da radiação necessária para a promoção das ligações covalentes..Para esse propósito, desenvolvemos uma fonte de UV-A apresentada no “International Congress of Corneal Cross Linking” (December 7-8, 2007; Zurique, Suíça). Esta fonte tem um medidor de potência interno e um sistema de monitoramento contínuo a autocontrolado com um microprocessador (X-Link; Opto Eletrônica, São Carlos, Brasil).